Interessados

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Só? Só, mais 5 minutos.

Olhava para o passado, queria que fosse hoje. Cara enrrugada, cansaço de vista, esquecimento de vida, perda de paladar, artroses de tempo e falta de ar. Era assim, seu triste fado. Encaminhava-se para o fim com a sintonia estritamente necessária, nenhuma nota falhava. Rim, falhou. Cabeça, falhou. Vista, falhou. Perna, falhou. Por tanta coisa falhar, nada falhava. Ainda sabia quem era, não todo o dia. Nesse bocado era infeliz. Preferia a parte do dia em que a constante ignorância de não saber quem se é, lhe alimentava a esperança de ser um jovem ser. 

Levantava-se por volta das 7h, saía e olhava à beira da porta, já ninguém lhe bate. Apenas o vento de inverno o visita e nada tem de simpático. É o antipático que vem sempre com a comadre chuva, não se percebe. Não trás nada com ele, só arrasta e desvasta. A meio da manhã esquecia-se quem era, sonhava de olhos abertos com as conversas que nunca teve à beira ria e com os cruzeiros de alto-mar onde trabalhou sol a sol.  Sentia a fome mas não sabia o nome, passava. Adormecia na cadeira de baloiço que rangia ao som do tango que um dia dançou em Espanha, lugar onde nunca esteve. Sonhou. 

A tarde trazia o cansaço da sua existência, ia dormir. Vivia pouco, o seu sonhar era a sua vida.

Não tinha forças para sair da cama. 

No leito da sua morte ninguém o percebeu, a gesticulação não se compreendia tamanha era a falta de dentes. 

Assim, ele sonhou e disse:

- Só? Sim, estou. Só, mais 5 minutos.

Ninguém apareceu porém ele sonhou que sim.

Valeu-lhe o sonho para escapar à solidão.


Sim, o coração falhou. Só?

Cumprimentos aos interessados.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário