Olhava para o passado, queria que fosse hoje. Cara enrrugada, cansaço de vista, esquecimento de vida, perda de paladar, artroses de tempo e falta de ar. Era assim, seu triste fado. Encaminhava-se para o fim com a sintonia estritamente necessária, nenhuma nota falhava. Rim, falhou. Cabeça, falhou. Vista, falhou. Perna, falhou. Por tanta coisa falhar, nada falhava. Ainda sabia quem era, não todo o dia. Nesse bocado era infeliz. Preferia a parte do dia em que a constante ignorância de não saber quem se é, lhe alimentava a esperança de ser um jovem ser.
Levantava-se por volta das 7h, saía e olhava à beira da porta, já ninguém lhe bate. Apenas o vento de inverno o visita e nada tem de simpático. É o antipático que vem sempre com a comadre chuva, não se percebe. Não trás nada com ele, só arrasta e desvasta. A meio da manhã esquecia-se quem era, sonhava de olhos abertos com as conversas que nunca teve à beira ria e com os cruzeiros de alto-mar onde trabalhou sol a sol. Sentia a fome mas não sabia o nome, passava. Adormecia na cadeira de baloiço que rangia ao som do tango que um dia dançou em Espanha, lugar onde nunca esteve. Sonhou.
A tarde trazia o cansaço da sua existência, ia dormir. Vivia pouco, o seu sonhar era a sua vida.
Não tinha forças para sair da cama.
No leito da sua morte ninguém o percebeu, a gesticulação não se compreendia tamanha era a falta de dentes.
Assim, ele sonhou e disse:
- Só? Sim, estou. Só, mais 5 minutos.
Ninguém apareceu porém ele sonhou que sim.
Valeu-lhe o sonho para escapar à solidão.
Sim, o coração falhou. Só?
Cumprimentos aos interessados.
Sim, o coração falhou. Só?
Cumprimentos aos interessados.
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